quarta-feira, 30 de abril de 2008

Entrevista concedida ao documentarista Floriano Regis, para realização de um documentário.

Qual foi seu primeiro contato com as artes?

Como os homens das cavernas, precisamente os Cro-magno, eu adorava desenhar nas paredes de minha casa; minha mãe comprava cadernos, mas eu preferia as paredes. Lembro com muita ternura desse tempo, pois minha mãe não me reprimia. Também recordo de gostar de folhear uma Bíblia ilustrada com desenhos maravilhosos; eu devia ter uns 4 ou 5 anos e ficava encantada.

Sou filha adotiva de Brasília desde 1973 e nasci no nordeste, em Mossoró-RN. Em minha adolescência, estudando no Caseb (colégio da rede pública), costumava visitar as exposições do centro cultural da quadra 508; achava lindas as obras-de-arte e imaginava que um dia exporia ali.

Quais artistas a influenciaram?

Rembrandt, Van Gogh, Dali e Picasso – o contato que tive com eles foi por meio de livros; sonho um dia conhecer as obras originais desses artistas. Na observação das reproduções de suas obras, aprendi muito com eles e imagino o quanto poderia aprender no contato pessoal, sim, para mim o artista não morre nunca, se eterniza através de suas obras. Recentemente, quando começaram os conflitos de relações nos aeroportos da Espanha, temi não poder conhecer um dia os museus Dali e Picasso.



Quando surgiu a idéia do projeto?

A idéia do projeto surgiu em 2004. Como artista, fico reservada ao meu ateliê, pintando as minhas obras ou cuidando das obras dos outros, pois exerço também a função de restauradora, vivo da arte. Meus envolvimentos são, primeiramente, com minha arte, minhas leituras, e, depois, com meus amigos e clientes, que são o meu verdadeiro apoio. Comecei a pintar 1987; em 1990 encontrei um estilo próprio de pintar e surgiu a Via Sacra – "Quem conhece a face de Cristo?" – exposta no Senado Federal.

Depois expus "Narcisos" (fotografia), inspirada na obra de Caravaggio e também na leitura do mito. Morei na Grécia e, nesse período, fiz a série "Borboletas Brasileiras", que ainda são vendidas para amigos gregos. De volta ao Brasil, como já havia feito uma exposição cujo tema era o homem visto sob a ótica do mito de Narciso, decidi homenagear também as mulheres, diante da problemática da violência contra a mulher. Um amigo, Xavier Dysarz (já falecido), apresentou-me um livro, dizendo: "Mary Jô, se você vai falar sobre deusas e sobre a mulher, precisa ler este livro." Realmente a leitura do livro foi decisiva na criação do Giro das Deusas. Aprofundei as pesquisas literárias e o trabalho foi tomando forma; já vinha fazendo experiências com materiais recicláveis, então a contribuição de Xavier Dysarz veio bem a calhar.

Porque demorou tanto?

Ao comentar com um amigo acerca do projeto, ele aconselhou-me a buscar apoio junto à Secretaria de Cultura, através do FAC- Fundo da Arte e da Cultura. Acatei a sugestão. No primeiro contato, tive conhecimento do Sistema, precisava ter certo certificado para poder ser aceita e entrar com solicitação de recursos. Segui à risca todos os passos e fui aceita, deram-me um Certificado de Entes e Agentes Culturais. Mesmo assim tive de comprovar com certidões que estava em dia com a sociedade, fiz orçamentos, etc.

Apesar de o projeto ser sócio-educativo, voltado para a rede de escolas públicas, não adiantei o nome de eventuais escolas, pois, no meu entendimento, eu não poderia me comprometer com um estabelecimento de ensino sem ter a certeza de que meu projeto seria aceito. Isso pesou e o meu projeto foi rejeitado.

Em 2006, voltei a entrar com o mesmo projeto, dessa vez apresentando duas escolas. Mas a "Comissão Especial de Artes Plásticas" considerou que o meu projeto não apresentava uma contrapartida consistente; dos comissários apenas dois assinaram a consideração. Bem, o que me conforta é saber que meu projeto não foi rejeitado por uma comissão qualquer, mas por uma "Especial". Isso explica por que o projeto demorou tanto para ser executado.

Por que ir às escolas e não às galerias?

Primeiramente porque, como artista, eu e a escola temos muitas afinidades, sempre gostei do ambiente escolar, estudei em escola pública e lembro com muito carinho dos meus tempos de escola e também pelo distanciamento existente entre o artista, a escola e os espaços culturais.

A escola está longe dos espaços culturais em todos os sentidos, por exemplo: ostentação dos espaços fisicos, textos de curadores de difícil compreensão, acesso, falta de divulgação nas escolas. Alguns espaços, esses voltados para ações sócio-educativas e que tem apoio garantido, atendem apenas uma pequena parcela de alunos, geralmente 50 alunos por escolas, um ônibus, considerando numa escala mínima de 600 alunos 550 estão excluídos, aqui cabe uma “reflexão” dos patrocinadores, principalmente dos oficiais.


Quanto a mim, que não estou na mídia, sinto o mesmo distanciamento: esses espaços não existem para mim. Recentemente, solicitei espaço para minhas obras em dois espaços culturais que achei compatíveis com o meu trabalho, que é moderno. Tive na mesma semana pareceres diferentes, mas as obras analisadas não foram selecionadas. No entanto sugeriram que eu procurasse espaços do governo onde haja maior flexibilidade ou tentasse no próximo ano.

Então só me restou a saída de levar minhas obras para as escolas, onde estou sendo recebida com muito carinho. Com apoio de amigos, pude retomar o projeto inicial com pequenas mudanças por conta de orçamentos; percebi que o projeto tem vida própria.
Então ficou assim: a escola cede um espaço onde as obras ficarão expostas por um dia; faremos uma “Galeria Escolar” (o nome da Galeria fica a critério dos alunos); os alunos estudam o tema da exposição e, no dia agendado, visitam a galeria; eu, a artista, fico à disposição dos alunos para falar sobre o tema, a forma e o conteúdo das obras; os alunos retornam à sala de aula, respondem a um questionário sobre o que viram, o que sentiram, se conhecem alguém que se pareça com as deusas apresentadas e se poderiam executar uma obra com os materiais apresentados na obra da artista. O questionário será entregue à artista e será utilizado para compor a exposição final ao público geral. A exposição será realizada em três etapas: 1ª etapa (abril/maio) – duas escolas da rede pública; 2ª etapa – agendamento de novas escolas para julho, agosto, setembro; 3ª etapa – exposição para o público geral na Galeria do Senado Federal.

Como surge uma obra?

Ela só se manifesta depois do pleno conhecimento do tema, tendo por base a leitura. Absorvidos esses conhecimentos, entro na forma e na pesquisa de materiais. Os materiais utilizados são às vezes coletados durante os meus passeios pela cidade, como ciclista urbana. Por exemplo, na execução de Ares e Afrodite, encontrei a malha de aço na rua. No primeiro momento, hesitei em pegá-la; mas brilhava tanto, acho que me chamando! Quando a toquei, senti que era maleável; nesse exato momento a obra nasceu em sua plenitude, estava se materializando. Aquela seria a rede na qual Hefestos prendeu Ares e Afrodite. Fiquei muito feliz quando encontrei essa malha, que até hoje não sei o que é.

Com os materiais doados pelos amigos que já conhecem minha paixão pelo reaproveitamento de material, pude fazer Ártemis, Afrodite, Deméter, Perséfone, etc.
A minha relação com o material reaproveitado combina com minha natureza "Ártemis": preocupo-me com questões ambientais, sou ciclista, estou em contato com a natureza, vou ao parque da cidade, a água mineral, à feirinha orgânica. Lamento não haver em Brasília uma ciclovia ligando não somente as duas asas (norte/sul), mas também dando acesso a museus, galerias, pontos turísticos.

É preciso enfatizar que a obra realizada é fruto do trabalho do artista, que o artista é também um trabalhador, que toda obra tem um custo e que o artista precisa vender sua obra para continuar trabalhando. Obras-de-arte podem ser doadas, sim, mas só depois de compradas.


Como habitual visitante de museus e galerias em Brasília, o que você tem encontrado no momento?

Há certa tendência à fotografia; acho estranho, não tenho nada contra fotografia, até gosto, mas sinto falta da produção dos artistas plásticos. Fico refletindo... por que será que alguns espaços só mostram fotografias, que recado eles estão querendo nos passar? O CCBB, para mim, é o único espaço em Brasília que realmente nos livra dessa impressão de deserto cultural, sempre tem algo interessante para ser visto. Falo isso como visitante e apreciadora das artes, pois gosto muito do CCBB, que já faz parte de minha rotina cultural.

Uma frase

“E vou lhe dizer por quê: logo descobri que, como crítico, isso não seria ético.”

Frase que li na entrevista concedida a Veja on-line pelo crítico de arte Robert Hughes, quando perguntado se ele tinha coleções de arte.